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Sem validação cientifica e com riscos, auto-hemoterapia ganha adeptos

A auto-hemoterapia é um recurso terapêutico que consiste em retirar sangue do paciente e injetá-lo, em seguida, nele próprio. A promessa é que isso estimule a produção celular e, consequentemente, as repostas imunológicas do organismo. O problema é que a prática não tem comprovação científica e envolve riscos graves de infecções virais ou bacterianas.

A realização da auto-hemoterapia por profissionais de saúde é proibida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), de Enfermagem (CFE) e de Farmácia (CFF). Ou seja, os profissionais que aplicam podem sofrer sanções e, em casos mais graves, até perder suas licenças por infrações éticas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) também são contrárias à prática. Nesses casos, a fiscalização é feita mediante denúncias de médicos ou pacientes que tenham sido lesados.

Para Luís Henrique Mascarenhas Moreira, hematologista e coordenador da Câmara Técnica de Hematologia do CFM, a auto-hemoterapia é totalmente experimental e apresenta alto risco à saúde do paciente. “O CFM sempre defendeu que esse é um procedimento sem evidências científicas e que pode acarretar sérias complicações. No entanto, estamos abertos a rever a posição caso surjam pesquisas consistentes sobre o assunto”, pontua Mascarenhas.

No ano passado, o médico Edison Saraiva Neves foi condenado pela 5ª Vara Criminal, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), por lesão corporal leve, após quatro pacientes submetidos a sessões de auto-hemoterapia em seu consultório terem sido contaminados com o vírus da hepatite C.

As proibições e os riscos, entretanto, não impedem que a prática ganhe adeptos. Há quem faça a aplicação de maneira caseira, usando uma seringa comum, para reaplicar o sangue em si mesmo. Mas também há profissionais de saúde que oferecem o serviço pela internet e, até mesmo, consultórios que executam o procedimento. A reportagem encontrou listas circulando pela internet com pelo menos 15 profissionais de saúde que fazem o tratamento.

O engenheiro ambiental Bruno Cordovil Macedo, 30 anos, faz sessões de auto-hemoterapia há três meses em um consultório na Asa Norte, em Brasília. Ele relata que o serviço custa apenas R$ 20 e é realizado sem a necessidade de marcar hora, basta levar a própria seringa e enfrentar uma fila de espera. Bruno, que está tratando uma hérnia, está satisfeito com o procedimento. “Tive uma resposta bacana do corpo. Não estou fazendo uma ligação direta, mas, aliada a tudo que eu faço, a auto-hemoterapia veio como complemento”, afirma.

Jorge Salomão, 27 anos, faz aplicações de auto-hemoterapia desde outubro de 2017. “Cheguei supercético. Na primeira vez que fui fazer, estava meio gripado, e no dia seguinte acordei novo. Achei que pudesse ser coincidência, então na semana seguinte fiz de novo. Desde então, não fico mais gripado”, acredita Jorge.

A hematologista Ana Teresa Basilio Neri, que trabalha na Clínica Acreditar e na Fundação Hemocentro em Brasília, explica que a medicina tradicional é baseada em evidências e não há estudos que comprovem os possíveis benefícios da auto-hemoterapia. “A ideia da auto-hemoterapia é muito simplista. A tendência da medicina moderna é individualizar cada vez mais os tratamentos e os pacientes. É difícil acreditar em um método que se propõe a resolver uma panaceia de coisas”, critica.

Procedimento – Na auto-hemoterapia é retirado sangue da bunda do paciente e reinjetado na veia do braço. A quantidade varia de acordo com o profissional, podendo chegar até a 100 ml. Alguns diluem o sangue em uma solução salina antes de reintroduzi-lo. Segundo a hematologista Ana Teresa, os riscos de infecção são grandes, tanto bacterianas quanto virais. Sem regulamentação é difícil garantir a segurança do procedimento. “Como garantir a qualidade e a higiene em casos assim? O risco é muito grande”, afirma.

Diferente da auto-hemoterapia, a hemoterapia é uma especialidade na medicina que trabalha com transfusões sanguíneas, gerenciamento de banco de sangue, terapia celular, armazenamento de células-tronco, entre outras coisas. Todas essas práticas são reguladas e reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina e pela Sociedade Brasileira de Hemoterapia.

Há ainda o tratamento de plasma, que está em moda nos EUA. Essa terapia consiste em uma transfusão de sangue nos moldes tradicionais, ou seja, de uma pessoa – no caso, mais jovem – para o cliente. A socialite Kim Kardashian é uma das adeptas. No entanto, para que o sangue rico em plaquetas seja reinserido em outra pessoa, ele precisa ser extraído e centrifugado a fim de se separar o plasma. A prática, que também não é autorizada, envolve riscos ainda maiores de contaminação.

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