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Quer deixar de fumar? Leia esse texto

A dona de casa Josenilda e o marido Aurélio Nunes têm um compromisso todas às quintas-feiras, às 10h, que não deixam por nada. Acordam cedo, se arrumam e seguem para o Hospital Português, no Recife, a fim de participar do Programa de Controle de Tabagismo, coordenado pelo pneumologista Blancard Torres – um incentivador da luta contra o cigarro. Josenilda, 63 anos, fumava há 45 anos até que, em abril passado, conheceu o programa e se destaca pela rapidez com que tem abandonado o vício. “Eu sentia que um dia ia deixar de fumar. Mas faltava força de vontade e ela veio com as reuniões e palavras de doutor Blancard. Ele ajuda as pessoas que não conseguem deixar sozinhas. Nunca mais vou sair daqui, para me fortalecer”, declara Josenilda.

À frente do programa há sete anos, o pneumologista Blancard Torres assegura que o tratamento em grupo é o que mais funciona para a grande maioria das pessoas. “Os problemas que enfrentam têm muito a ver com psicológico. As pessoas têm ambivalência, querem deixar e não sabem como, então se cria um quadro de ansiedade, de depressão, de tristeza, e às vezes psiquiátrico. Quando trata, você livra o paciente, o pássaro voa e a pessoa fica cheia de energia, apta não só a deixar uma mazela, mas a resolver todas as mazelas”, observa.

A batalha pessoal não é fácil, mas iniciativas como o programa ajudam o público que fuma a largar o cigarro. O único critério é querer e aceitar o tratamento multidisciplinar, participando das reuniões semanais quando fumantes e ex-fumantes trocam experiências que motivam a continuidade na luta contra o tabagismo. O cigarro, segundo Blancard Torres, é o principal causador das doenças não transmissíveis, degenerativas e crônicas, que provocam 70% dos adoecimentos e mortes.

Felizmente, muita gente já conseguiu se livrar do cigarro. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que no Brasil existem atualmente 22 milhões de fumantes e 26 milhões de ex-fumantes e os que permanecem são os resistentes que precisam de tratamento e de um mutirão de profissionais engajados com a causa, como acontece no programa do Hospital Português, que oferece acompanhamento por oncologistas, psicólogo e nutricionista, sem cobrar nada.

“O Ministério da Saúde só consegue tratar 5% dos fumantes brasileiros. Temos que abrir frentes em vários hospitais e centros de saúde para o fumante deixar de fumar. Ele tem que ser preparado. Tem vontade, está querendo, mas precisa de um tratamento que tente mudar o seu comportamento mostrando como conseguir. Aí as pessoas aprendem o caminho das pedras, mesmo com dificuldades, até usando medicamentos, se necessário. Quem persiste, resiste, consegue deixar de fumar”, afirma Torres.

De acordo com a assistente social do Programa de Controle ao Tabagismo, Edileusa Tenório, os pacientes têm históricos que os levaram ao fumo. “Além de ansiedade, pode ser algum problema emocional ou mesmo motivação social por conviver em grupos de fumantes”, diz. Nas lembranças de muitos deles, o hábito começou acendendo o cigarro da mãe ou do pai, ou no colégio, quando era moderno e charmoso fumar. No decorrer do tratamento, uma parte dos pacientes revela dificuldades para continuar porque não consegue lidar com reações da abstinência como fortes dores de cabeça, ou a falta de apoio para sustentar a vontade de solucionar o problema.

Resistência – Nos últimos quatros meses, Josenilda está resistindo, firme e forte, mesmo com uma recaída em que fumou uma carteira de cigarrodepois de uma raiva. Vez por outra ainda sente muita vontade de voltar para o velho companheiro, mas as mudanças no semblante, no cheiro e até na autoestima são mais estimulantes. “Ninguém mais diz que vivo fedendo a cigarro. Até o hálito é outro. Meu dinheiro agora é para fazer as unhas, o cabelo, para me cuidar. Estou tão feliz que vou até fazer uma dentadura nova”, diz a dona de casa. O marido Aurélio, segurança aposentado, mantém o incentivo em alta. “Ela está mais bonita, mais cheirosa, tudo melhorou”.

Fumante por 30 anos, ele acompanhou a esposa no programa desde o começo e diz que deixou a bebida para não voltar ao cigarro – o que acontecia sempre em outras tentativas de largá-lo. “Estou me sentindo muito melhor ao subir escadas, caminhar. A respiração melhorou muito e acabou o enjoo que me deixava sem fome, nauseado”, revela.

A ambulante Janete Maria da Silva, de 57 anos, fuma desde os 13 e, embora frequente o programa do Hospital Português, só tem conseguido reduzir a quantidade de cigarros. “Eu já acordo de cigarro na mão. Fumava uma carteira por dia ou mais. Quero deixar, mas quando dá vontade, eu não resisto”, admite. Casos como estes são encaminhados ao dr. Blancard Torres, que se encarrega de aplicar a visão holística, ou seja, trata o paciente como um todo. “É preciso procurar entender a alma do fumante, as dificuldades que está tendo, qual o caminho mais fácil para levá-lo a conseguir o objetivo e encontrar a pílula da felicidade. É todo um processo que mexe com a mente da pessoa, para que traga boas emoções e isso se materialize”, diz o médico.

Cigarro só traz doenças e dependência – Se há alguns anos a indústria do cigarro incentivava o consumo em comerciais e cartazes com belas imagens sugerindo sucesso, elegância e conquistas, hoje não faltam campanhas e desestímulos, inclusive em dramáticas imagens obrigatórias nas embalagens, para inibir o fumo. Mas nada pode ser mais convincente do que o ganho de anos e de qualidade de vida para quem deixar de fumar. “A mudança é radical. Troca-se o ruim pelo bom, os riscos vão desaparecendo e se ganha, no mínimo, 15 anos de vida. Têm pessoas com 40, 50, 60 anos fadadas a terem acidentes muito sérios devido ao cigarro. Quando deixam de fumar se libertam e vão viver suas vidas com tranquilidade”, afirma o doutor Blancard Torres.

Para ele, quem fuma não tem qualidade de vida porque está sempre tossindo, com falta de ar, convivendo com problemas por associação de hipertensão ou diabetes, seguindo uma lista de doenças relacionadas ao cigarro que não para de crescer. Recentemente, 14 novas doenças foram adicionadas ao grupo e respondem por um acréscimo de 17% a 20% dos óbitos atribuídos ao uso crônico do cigarro.

Entre elas, insuficiência renal, tumor de mama e de próstata, isquemia intestinal, falência renal, infecções e a própria tuberculose. “Não tem escapatória, quem fuma vai adoecer. Inclusive pode ter demência, está queimando seus neurônios com a nicotina. Quem fuma não sente cheiro, nem tem paladar. Praticamente todos os sentidos são absorvidos pelo cigarro”, relata o pneumologista, concluindo que a libertação é deixar de fumar: “Um processo absolutamente tranquilo se você quiser. Você tem que querer e a motivação nós damos”.

Serviço
Programa de Controle do Tabagismo
Local: Ambulatório Beneficente Maria Fernanda, do Real Hospital Português – Av. Governador Agamenon Magalhães, 4760 , Paissandu, Recife.
Dia/hora: Quintas e sextas, às 10h
Atendimento: gratuito. Oferece tratamento em grupo e individual.

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