Racismo

‘Preto e gordo’: como o bullying afeta a autoestima de crianças negras

Durante a aula de História que abordava o período escravocrata do país, em uma escola particular de um colégio tradicional em São Paulo, a aluna Isadora ouviu a seguinte brincadeira de um de seus colegas: ‘’Vai trabalhar, Isadora”, disse o garoto, imitando o barulho do chicote.

Quem conta a história é a gerente de compliance Andreia Dias, a mãe de Isadora, que até 2018 era a única aluna negra da sala. ‘Minha filha não entendia que aquilo era racismo. Tive que antecipar a discussão. Naquela idade, ela acreditava que aquilo acontecia por que se sentia feia. Não entendeu que ele estava chamando ela de escrava. ”, desabafa a executiva.

Em episódios como os que aconteceram com a filha de Andreia e o filho de Mateus Barboza, que pediu ajuda do pai durante uma festa porque o amigo foi chamado de ‘preto e gordo’, é possível perceber que as crianças reproduzem as dinâmicas do preconceito racial no Brasil. É o que diz a psicóloga e estudiosa das relações raciais Beatriz Moreira. “O diálogo é difícil”, explica ela. “Quando a criança percebe algum ato racista, ela constrói a concepção do que vê no mundo. Se o pai não assegura e não dá aquela correção, é na ausência dessa correção de que é errado é que a criança vai introjetando que aquilo é normal.”

O problema não para por aí, já que a criança negra, alvo dos ataques, vai construindo uma ideia diminuída de si.

“Quando ela não vê isso em outros lugares uma ofensa racista tem um impacto muito maior porque a criança não tem os mecanismos de defesa para contrapor o que foi dito”, explica Lu Bento, do Blog ‘A Mãe Preta.’

Para resolver a situação pela qual a filha passou, Andreia entrou imediatamente em contato da escola. Segundo a executiva, de nada adianta que os pais eduquem os filhos para lidar com a diversidade racial se as instituições não têm o preparo necessário para lidar com as crianças.

“A criança aprende por associação. Quando vai ensinar sobre escravidão e tem crianças negras na sala você tem que ter um cuidado. A quantidade de negros nas escolas particulares é tão pequena que eles não se preparam adequadamente. ”
Segundo a psicóloga Beatriz Moreria, o professor de fato deve estar preparado para ter o jogo de cintura necessário para lidar com as tensões raciais e ensinar a respeito da cultura afro-brasileira para além da escravidão. “Existem materiais didáticos desenvolvidos para esse diálogo”, explica. “ É para criação de referências positivas nas crianças que a lei 10.639 torna obrigatório o ensino de cultura africana dentro das escolas. ”

É na criação de referências positivas do que significa ser negro que Lu Bento constrói a autoestima de suas filhas Naíma e Aísha, de 7 e 5 anos. Como estratégia ela busca apresentar para suas filhas referências de literatura infantil com personagens que se pareçam com elas.

É normal que as crianças se perguntem sobre diferenças. Mas quando ela não sabe responder por que é negra, já está em um lugar de vulnerabilidade. É raro uma criança branca se perguntar porque é branca porque o tempo todo tem reforços positivos da estética dela e da aparência dela. ” R7

 

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