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Escola sem Partido entra na fila de votação

Pais, ainda no ano passado, já mostravam seu descontentamento com instituições que permitiam ou estimulavam manifestações políticas de professores e alunos. Vistas como ideológicas, as polêmicas acompanham uma repaginação no projeto de lei conhecido, desde 2014, como Escola sem Partido. Um novo texto, que substitui o Projeto de Lei (PL) 7.180/2014, arquivado pela Comissão Especial da Câmara no fim da legislatura 2018, foi proposto pela deputada Bia Kicis (PSL-DF). No PL 246/2019, há duas mudanças significativas. A principal delas é a de que o projeto será aplicado apenas nas escolas públicas. A outra é a retirada do termo “ideologia de gênero” do texto.

A nova versão foi protocolada no dia 4 de fevereiro, dia da retomada da atividade legislativa. Outras mudanças significativas trazidas pela nova redação são a possibilidade de os alunos gravarem as aulas e a proibição de manifestação nos grêmios escolares. Na justificativa, a deputada diz que essa determinação visa “impedir o risco de instrumentalização dessas entidades por partidos políticos”.

Entre os artigos do atual Programa Escola sem Partido, também está previsto que o Poder Público não deverá interferir no processo de amadurecimento sexual dos alunos, nem permitirá qualquer dogma referente às questões de gênero. Para substituir o termo “ideologia de gênero” são utilizados outros, como “propaganda político-partidária” e “técnicas de manipulação psicológica”.

A redação mantém o trecho que previa a aplicação da nova legislação em livros didáticos e às avaliações para o ingresso no ensino superior e a concursos para o ingresso na carreira docente. Mas diminui a responsabilidade das escolas particulares, que poderão promover conteúdos previamente autorizados contratualmente com pais e alunos.

Logo após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, a deputada estadual Ana Caroline Campagnolo (PSL-SC), publicou um vídeo em redes sociais estimulando alunos a enviarem gravações feitas em sala de aula que fossem compreendidos como doutrinação dos professores. Na época, a manifestação foi repreendida por um juiz estadual da Vara da Infância e da Juventude, que relembrou que o uso de celular em sala de aula é proibido e estipulou uma multa R$ 1.000,00 por dia em que a publicação fosse mantida no ar.

O Programa Escola sem Partido possui uma ouvidoria em seu site (www.programaescolasempartido.org) em que os alunos podem denunciar seus professores com gravações em áudio e vídeo. A repreensão da Justiça à Ana Campagnolo e o canal de reclamações de docentes não foi esquecido na nova PL. No art. 7°, é assegurado aos estudantes o direito de gravar as aulas, a fim de permitir a melhor absorção do conteúdo e viabilizar que os responsáveis tenham ciência do processo pedagógico.

Projeto busca normatizar atuação do docente em sala de aula

Uma parte do projeto que segue na nova versão é a lista de deveres do professor, que deve ser impressa em dimensões preestabelecidas e fixadas nas salas de aula de Ensino Básico. Este é o trecho do projeto que mais incomoda os docentes – ter sua atuação com limites preestabelecidos em lei soa como o fim da liberdade de expressão.

Marisvaldo Cortez Amado foi presidente da comissão nacional de ensino jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e vê com preocupação projetos que buscam normatizar a atuação do docente em sala de aula. “Não vejo necessidade de impor característica de legalidade às escolas”, argumenta. O advogado sugere que cada comunidade escolar alimente seus debates internos, a fim de criar um ambiente saudável de envolvimento de professores, pais e também alunos nas decisões pertinentes aos métodos de ensino adotados. Ele afirma, também, que o professor deve expor todas as ideologias, assim como diz o PL.

Os apoiadores do Escola sem partido defendem uma suposta neutralidade em sala de aula contra o que consideram “doutrinação de esquerda”. Isso vale tanto para professores e autores de livros didáticos, que buscariam adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas. Não há evidências, porém, que comprovem uma suposta doutrinação de esquerda. Amado afirma que, tirando a liberdade do professor, criamos uma geração incapaz de pensar. “É ruim para a cultura, a educação e o desenvolvimento nacional”, sinaliza

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) define e regulariza a organização da educação brasileira com base nos princípios presentes na Constituição. A atual, de 1996, prevê liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber. Além disso, mantém uma matriz curricular de grade mínima. Fora disso, a escola deve ter autonomia. Desta maneira, de acordo com Amado, “disponibiliza-se um espaço de convivência social ao aluno, que aprenderá a lidar com divergências e diferenças que devem ser encaradas desde a juventude”. É o que defende movimento antagônico ao Escola sem Partido, o chamado Escola sem Mordaça. Para os defensores desse grupo, a ideia de uma lei autoritária atenta contra a pluralidade de concepções e compreensões na educação e contra os direitos de aprender e ensinar.

Decisões judiciais e uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), já consideraram inconstitucionais projetos similares. A deputada Bia Kicis espera que a discussão na Câmara ocorra após o trâmite das pautas econômicas do governo.

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