Lava Jato

Dos palacetes para as penitenciárias: Lava-Jato coloca figurões na cadeia

Ter uma Justiça que funcione e puna o criminoso independentemente do poder ou da conta bancária ainda desperta suspiros. É um anseio nacional. Estamos nos acostumando à ideia de que, durante quatro anos, a Operação Lava-Jato condenou 160 pessoas entre os principais políticos e empresários do país. No Superior Tribunal de Justiça, há nove governadores investigados e três denunciados. Autoridades que desafiaram o Judiciário foram obrigadas a deixar os extravagantes palácios em que sempre viveram e trabalharam para dividir celas nas penitenciárias brasileiras.

Um capítulo que poderia ficar conhecido como a década das prisões merece especial atenção. Há 10 anos, o  então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) era o homem mais poderoso da República. Recebeu R$ 1,3 trilhão para organizar a estrutura de 232 mil pessoas no governo federal, segundo cálculos do Ministério do Planejamento e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O petista foi preso na semana passada, após seis ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitarem o pedido de habeas corpus da defesa. Lula foi condenado a 12 anos e um mês pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP). Ainda pairam contra ele mais oito processos.

Considerado até então um ótimo articulista político, o deputado cassado Eduardo Cunha (MDB) teve poder suficiente para colocar em xeque a atuação do mais alto cargo eletivo do país. O ex-senador Luiz Estevão conseguiu fazer com que um processo contra ele se arrastasse durante muitos anos. Paulo Maluf (PP) fez a mesma coisa. Geddel Vieira Lima (MDB) foi condecorado 11 vezes com medalhas importantes — como a Ordem do Mérito Naval em Grau de Grande Oficial, recebida em 2007. Nenhum deles escapou da Justiça quando seus crimes foram revelados.

“É um fato que as coisas estão aí acontecendo, mas ainda há desigualdade nesse meio. Falar que a lei chegou aos políticos é um fato, mas dizer que vale para todos ainda é precipitado”, diz o cientista político Glauco Peres da Silva, professor da Universidade de São Paulo (USP). Ele acredita que a punição não chega com a mesma rapidez a todos os casos. “Esse discurso precisa ser mais bem entendido. Temos o foro privilegiado, a articulação política, os movimentos sociais… Mecanismos que deixam impune quem sabe usá-los.”

Glauco explica que a grande evolução neste cenário é a possibilidade de acabar com o “você sabe com quem está falando?”. “Hoje não tem mais essa, a polícia investiga, e a Justiça prende quem comete crimes. Chegou aos políticos. É verdade e é simples de entender, mas ainda não chegou a todos”, observa.

Denúncias

Símbolo de um tempo em que a Justiça, além de lenta, era seletiva, o deputado federal afastado Paulo Maluf (PP) foi preso aos 86 anos, velho e debilitado, por crimes cometidos há décadas. A trajetória do ex-governador de São Paulo sempre foi marcada por seguidas denúncias de corrupção, peculato e até lavagem de dinheiro. Seu nome figurou, durante muitos anos, na lista vermelha da Interpol. “Concordei com a prisão, mesmo ponderando que o assunto é de uma sensibilidade enorme. Um senhor de idade não deixa de ser culpado dos crimes que cometeu quando era jovem. Agora, as pessoas vão ter medo”, afirmou a psicóloga Juliana Cardoso Gebrim, palestrante e professora aposentada da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Em alguns casos, prender não é o suficiente. Personalidades como o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) ainda conseguem burlar o sistema. O carioca deu um “jeitinho” e descolou uma sala de cinema na cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio. Também conseguiu complementar a dieta com camarão, bolinho de bacalhau, queijos importados e iogurte. “Pequenos prazeres”, disse ele à Polícia Federal durante o inquérito que apurava as regalias.

O que reascende a esperança de que todos são iguais perante a lei são casos como o do ex-senador Gim Argello (PTB) que, recentemente, teve um pedido de redução de pena negado pela Justiça por não ter alcançado nota suficiente no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Formado em direito, o empresário não conseguiu a nota mínima na prova escrita nem na redação. Como todo mundo, poderá tentar de novo. Mas só recebe a recompensa se trabalhar duro.

 

 

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