Saúde

Cientistas desenvolvem exame que detecta esclerose múltipla na fase inicial

O sistema nervoso central de todos os mamíferos é recoberto por uma capa que encobre as fibras nervosas. Composta por lipídeos e proteínas, ela ajuda a acelerar os sinais elétricos que comandam funções como falar, andar, engolir, respirar; enfim, desempenhar qualquer tarefa do dia a dia. Algumas doenças, como esclerose múltipla, porém, degradam essa bainha, conhecida como mielina, o que interrompe o fluxo de informação entre o cérebro e o corpo, com sérias consequências para o movimento e a visão. Para identificar esse processo corretamente, pesquisadores da Universidade de Medicina de Chicago, nos Estados Unidos, desenvolveram um teste minimamente invasivo, descrito na revista Scientific Reports.

Até hoje não existia um exame que visualizasse diretamente a desmielinização, o que pode atrasar o diagnóstico correto e a avaliação de progressão de uma doença que afeta mais de 2,3 milhões de pessoas no mundo, de acordo com a Federação Internacional de Esclerose Múltipla (EM). A ressonância magnética é a técnica-padrão e, embora gere imagens em alta resolução, ela não é quantitativa nem consegue diferenciar a perda da mielina e a inflamação, complicações que coexistem nos pacientes de EM. O novo teste utiliza outra tecnologia, a tomografia por emissão de pósitrons (PET Scan), capaz de identificar o problema com precisão, porque analisa os processos bioquímicos da parte do corpo avaliada, em vez de apenas registrar imagens.

CANAIS EXPOSTOS

Por meio do PET Scan é possível realizar diversos exames que mapeiam as substâncias químicas do organismo. Ao sobrepor as imagens anatômicas às metabólicas, a máquina gera um retrato completo do que está ocorrendo na parte do corpo que foi escaneada. No caso do teste desenvolvido pela equipe de Chicago, o PET Scan usa uma molécula radioativa específica para localizar uma proteína chamada canais de potássio dependentes de voltagem, encontrada nos neurônios que perderam mielina. O exame, baseado na detecção dessa substância, fornece informações quantitativas a respeito do processo.

Segundo Brian Popko, diretor do Centro de Neuropatia Periférica da Universidade de Chicago e um dos autores do estudo, no neurônio saudável os canais de potássio ficam escondidos por baixo da capa de mielina. “Quando há perda dessa bainha, os canais ficam expostos. Eles migram por meio do segmento descoberto e, assim, seus níveis aumentam”, diz. Sem a proteção da membrana, os neurônios começam a vazar o potássio que, normalmente, ficaria dentro da célula. Isso faz com que não consigam propagar os impulsos elétricos. Consequentemente, a comunicação do corpo com o cérebro é prejudicada, levando ao surgimento dos sintomas da esclerose múltipla, como fraqueza muscular e formigamento.

Estudo em macacos saudáveis

A equipe de pesquisadores começou com uma droga já existente voltada ao tratamento da esclerose múltipla, a 4-aminofridina, capaz de se ligar aos canais de potássio expostos. Isso restaura parcialmente a condução do nervo e alivia os sintomas neurológicos da doença. Usando modelos de ratos, os cientistas mostraram que o medicamento se acumula nas partes do sistema nervoso central desmielinizadas, ou seja, descobertas. Em seguida, eles examinaram várias substâncias que compõem a 4-aminofridina para verificar qual delas era responsável por “farejar” os canais de sódio. A responsável é uma molécula chamada 3F4AP, que, “embalada” por um conjunto de átomos fluorescentes, pode ser facilmente visualizada no PET Scan.

“Conseguimos mostrar, em ratos, que esse marcador se acumula em uma quantidade muito maior nas áreas desmielinizadas que nas normais”, explica o bioquímico Pedro Brugarolas, primeiro autor do artigo e atualmente membro do Centro de Imagens Médicas do Hospital Geral de Massachusetts, da Universidade de Harvard. “Esse é o primeiro marcador cujo sinal aumenta com a desmielinização, solucionando potencialmente alguns dos problemas dos exames anteriores”, afirma.

RESPOSTAS

Com os resultados positivos, os cientistas receberam autorização dos institutos nacionais de saúde dos EUA para conduzir um estudo em macacos saudáveis. Os testes confirmaram que, quando injetada na veia (como qualquer tipo de contraste), a 3F4AP entra no cérebro dos primatas e localiza as áreas onde há pouca mielina. “Achamos que essa abordagem poderá fornecer informação complementar à ressonância magnética. Ela poderá nos ajudar a acompanhar as lesões provocadas pela esclerose múltipla ao longo do tempo”, acredita Brian Popko.

Segundo o pesquisador, a técnica tem potencial de rastrear respostas aos tratamentos. “É algo necessário e que ainda não conseguimos fazer. Ela também deve nos ajudar a determinar o quanto o desgaste da bainha de mielina contribui para outros transtornos do sistema nervoso central”, afirma Popko, citando as leucodistrofias (grave problema genético caracterizado pela perda da mielina), traumas cerebrais e na coluna e até mesmo problemas que não são tradicionalmente associados à desmielinização, como isquemia cerebral, distúrbios psiquiátricos e doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson.

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