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A brecha de segurança no código de reserva aérea que expõe dados pessoais de passageiros

Registro de passageiro conhecido como PNR é impresso no cartão de embarque e na etiqueta da bagagem, além de poder ser acessado sem contrassenha na internet; especialistas dão dicas de como se proteger.

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Comprar uma passagem área pela internet está cada dia mais fácil. É preciso apenas selecionar o trajeto e a data, preencher seus dados, efetuar o pagamento e clicar na opção de “reservar voo”.

A partir deste momento, tudo fica gravado num código que é enviado por e-mail e que garante a sua reserva. Fácil assim.

Este código alfanumérico de cinco ou seis dígitos é fundamental. Os especialistas o chamam de PNR – o acrônimo em inglês de Passenger Name Record (registro de nome de passageiro, na tradução em português) -, mas ele armazena muito mais do que apenas os dados do voo.

“Qualquer pessoa que tirar uma foto do seu código PNR, ou o encontrar na internet, pode saber quem você é, de onde viaja e com quem, seu número de celular, endereço, e-mail, itinerário de viagem, assento e até os números de cartões de crédito”, conta à BBC Mundo Karsten Nohl, especialista em engenharia de informática e criptografia, que trabalha na companhia de segurança alemã Security Research Labs.

A empresa de consultoria acaba de publicar um comunicado alertando o que considera uma “ameaça à privacidade dos viajantes”, que Nohl apresentou em dezembro no Chaos Communications Congress, o maior evento anual da Europa sobre hacking.

O que é o PNR?

Nohl pesquisa o assunto há mais de uma década. Ele explica que o sistema é usado desde a era pré-digital, nos anos 70 e 80, e que pouco mudou desde então, apesar dos riscos de ataques de hackers ao gerenciamento das reservas online.

“Apenas com o sobrenome do passageiro, é possível encontrar seu código de reserva na internet sem grande esforço”, disse o Security Research Labs num comunicado.

E o uso desse sistema não se reduz a viagens aéreas. Também é utilizado para reservar quartos de hotel, comprar bilhetes de trem ou alugar carros pela internet.

O mais preocupante, destaca Nohl, é que o sistema não prevê o uso de uma contrassenha. E fica impresso no cartão de embarque e na etiqueta da bagagem.

“O PNR contém muito mais informação pessoal do que a maioria das pessoas pensa. Pode incluir informações sobre com quem viaja, quantos quartos de hotel reservou, que menu pediu no avião ou com que endereço IP (identificação do computador) fez a reserva”, explica à BBC Mundo o escritor e jornalista norte-americano Edward Hasbrouck, autor do livro The Practical Nomad (2001) e consultor no Identity Project, iniciativa voltada para questões de liberdades civis que afetam viajantes.

“Os dados mais delicados são os relacionados à própria viagem: onde vai estar e quando. Essa informação pode ser usada para te espiar e assediar, ou para roubar sua casa quando você não estiver nela”, alerta Hasbrouck, que há 15 anos pesquisa o tema.

“Também há riscos potenciais de roubo de identidade”, acrescenta.

Em relação aos riscos de crime financeiro, o especialista afirma que são “menos sérios” e que afetariam principalmente as agências de viagem e companhias aéreas, e não os consumidores.

O que podem fazer os viajantes?

Hasbrouck aconselha tratar o código e o localizador de reserva como se fosse uma “senha especialmente delicada”, pois não pode ser modificada.

Isto é o que aconselha o especialista:

Os especialistas destacam a necessidade de medidas no que veem como “um conflito entre segurança e privacidade que a indústria do turismo deve resolver”, nas palavras do próprio Nohl.

A preocupação com a segurança contra ataques e atentados levou a mudanças nos acordos de PNR entre a União Europeia e os Estados Unidos, que permitem a transferência de informação a autoridades como parte da “luta contra o terror”.

Um dos mais polêmicos foi firmado depois dos ataques do 11 de setembro de 2011 em Nova York e permitiu a transferência de dados de longo prazo de passageiros europeus a autoridades norte-americanas.

E há outros atores envolvidos nessa troca de informações, como o Sistema Global de Distribuição (GDS na sigla em inglês), que gerencia as reservas de 90% das passagens aéreas de todo o mundo, englobando três alianças de companhias áreas: uma com base na Espanha, a Amadeus (Air France, Lufthansa, Iberia e Scandinavian Airlines), e duas nos Estados Unidos, a Sabre (American Airlines e IBM) e a Travelport (da união entre Galielo e Worldspan, em 2007).

As possíveis soluções

Para Nohl, uma solução seria proporcionar uma senha aos viajante na hora de fazer sua reserva. Mas alerta que isto levará tempo, pois requer a colaboração das instituições.

De acordo com o criptógrafo, a forma como são escolhidos os códigos PNR nos deixa menos seguros do que qualquer senha de cinco dígitos.

Além disso, tanto o GSD como as páginas na internet das empresas aéreas permitem fazer milhares de reservas através de um único endereço IP, o que põe o comprador em risco.

Hasbrouck diz que seus usuários “devem exigir urgentemente mudanças técnicas às companhias e pedir que sejam reforçadas as leis de proteção de dados”.

Nohl contou à BBC Mundo que “tem tido conversas” com duas das empresas GDS, mas não deu detalhes do que foi discutido.

A reação das companhias é a seguinte:

“Estamos avaliando os resultados das pesquisas sobre a segurança da indústria de viagens e temos tido melhoras. Damos prioridade à segurança dos clientes e dos dados e revisamos continuamente nossos sistemas e processos”, respondeu à BBC Mundo um porta-voz da Amadeus.

“Vamos considerar estas descobertas e trabalharemos juntos com nossos colaboradores para tratar dessas questões e buscar soluções a potenciais problemas”, acrescentou.

O Travelport destacou a “cibersegurança e a privacidade do cliente como prioridades críticas” e afirmou que está fazendo “contínuos investimentos em seus sistemas e se comprometendo com vários atores da indústria para implementar qualquer mudança recomendada em reservas pela internet”.

Timothy Enstice, director de comunicação da Sabre, disse que “o acesso não autorizado a informações de viajantes, através do GDS, é bastante improvável porque temos várias camadas de segurança para restringi-lo”, e destacou que “são outros atores do setor de viagens que devem adotar medidas similares de segurança”.

O que podem fazer com seu PNR pessoas mal-intencionadas?

Existem quatro tipos de abusos potenciais:

Invasão de privacidade: o código contém informação de contato, datas de viagens e preferências e, muitas vezes, os dados de seu passaporte.

Roubo de voos: a maioria das empresas áereas permite trocar seu voo ou até cancelá-lo com seu PNR, tornando possível que um fraudador voe de graça.

Desvio de milhas: ao mudar a informação sobre o viajante na reserva, podem roubar suas milhas aéreas sem comprar outro voo.

Pishing/vishing: os hackers podem usar práticas fraudulentas de engenharia social (obter informação confidencial) ou acessar seus dados de pagamento ou credenciais.

Fonte: Security Research Labs

G1

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